Desafiando Estereótipos:
O Machismo Velado nos CTGs
Que o machismo está enraizado na nossa sociedade, nós já sabemos. Existem diversas formas dele se manifestar, seja dentro do trabalho, de casa e até mesmo no meio acadêmico. Onde menos discutimos, é dentro dos Centros de Tradição Gaúchas (CTG).
Em um lugar que é cultuado pelas tradições antigas, o preconceito está impregnado fortemente. As mulheres só foram incorporadas anos depois da sua criação, apenas para poderem dançar junto ao homem, com vestidos cobertos até os pés e adereços que caracterizam a “prenda”.
Jocelito Zalla, via meet.
O termo tem um significado no vocabulário do peão distância, explicado pelo historiador Jocelito Zalla, “é um objeto de valor pro peão, como um objeto mesmo, tipo uma bombacha que ele gosta muito”. Esse é o lugar da mulher gaúcha, como um objeto de desejo e admiração do homem.
No passado, eram apagadas da história, ou as retratavam como a mulher de família, que esperava os homens de sua família voltarem dos campos de batalha, apreensivas em casa. Hoje, sabe-se que muitas vezes estavam armadas protegendo suas terras, ajudando no campo e na segurança local.
Com o tempo, foram conquistando alguns espaços dentro do clube, podendo se tornar a 1ª prenda estadual, contanto que passe nas provas escritas e relatórios de vivências tradicionalistas. Sua conduta, cobrada pelos outros participantes. Sem contar com o elitismo, por conta de seu vestuário de valor elevado e dos eventos sociais por fora.
E com todos esses empecilhos, Bruna Silva, atual 1ª prenda veterana, do CTG Rodeio da Querência, aponta dificuldades ainda maiores, “acho que o maior desafio é ser ouvida, mostrar ao que veio”. Dançando desde seus 8 anos, com amor ao tradicionalismo, a música e a cultura. Sem interrupções até mesmo para o nascimento do seu filho Valentin, que veio ao mundo três dias após uma apresentação, nascendo praticamente pilchado.
Não é falta de espaço, e sim de ser ouvida. Não ter voz o suficiente. “Às vezes, a gente nota que a gente deu a mesma ideia que um peão, mas ele é mais ouvido que nós”, explica a prenda veterana.
Por conta da gravidez e de seu casamento, Bruna acabou tendo que sair da categoria adulta e se tornando veterana, “eu tive ali um pouco de olhares de julgamento de umas mulheres mais antigas do movimento quando eu engravidei”. O machismo chega a ser tão enraizado, que acaba influenciando as próprias mulheres dentro dessas instituições. O preconceito é histórico. O preconceito é dominante na cultura. Os valores precisam ser atualizados, trazidos para o presente.
Bruna com seu bebê Valentim
Desde seus 12 anos, a dançarina e declamadora, Júlia de Sá, percebia que os homens estavam nos espaços de poder, mas “quem trabalha por trás são as mulheres, quem faz tudo acontecer”. Quando não vemos prendas ocuparem cargos altos, acreditamos não ser possível alcançar mais. “A mulher fica cuidando das crianças enquanto o homem preside uma instituição inteira”, pondera a declamadora.
Muito se fala que a cultura é assim, trata-se de um resgate histórico, mas podemos sim mudar algumas coisas. “A gente que tá fazendo a nossa história pros nossos filhos, educo ele para ter um tratar diferente”, e aos poucos, de geração em geração, Bruna consegue erradicar esse preconceito.
Não obstante, esse cenário também se complica quando se trata de diversidade, visto que é escasso pessoas pretas ou homossexuais. A participação e a aceitação não é bem vista pelos integrantes do clube, e nem mesmo pelas pessoas que se dizem tradicionalistas. Um grande exemplo desta rejeição é o caso do CTG Sentinelas do Planalto, de Santana do Livramento, que sediou um casamento comunitário entre um casal gay e acabou sendo incendiado, traumatizando e amedrontando-os.
Embora isso, o CTG é um clube social, onde pessoas se reúnem em prol da diversão e da cultura. Então, ele ser machista, homofóbico ou racista, diz muito sobre a nossa sociedade, uma vez que ele é um reflexo. E apesar de ser um movimento histórico, ele precisa se reinventar e acompanhar a modernidade.
As mulheres estão cada vez mais tentando ser ouvidas, chegando em lugares que suas avós nunca imaginaram que chegariam. A patronagem, por exemplo, antes oferecida somente para homens, está abrindo aos poucos portas para as prendas também. Para Bruna, “no ambiente é trabalhado muito valores éticos e morais, então o respeito é primordial, a mulher pode e deve usar disso para ser ouvida” e dessa forma, conseguir expor suas ideias e até iniciar projetos, tomando mais iniciativa dentro do clube.
Apesar do CTG cultivar tradições antigas, temos que ter na cabeça que é uma representação. “Temos que perceber que não estamos mais naquele período de tempo, que depois das apresentações, a gente não carregue o que essas pessoas carregavam antigamente dentro de si”, justifica Júlia. Preconceito enrustidos como machismo, racismo e homofobia, não devem ser tolerados em um ambiente que diz prezar tanto pelo respeito. Transformações são necessárias, ainda mais se for uma reforma para o bem, para a inclusão e aceitação da diversidade.